sexta-feira, 27 de abril de 2012

O papel da mulher na Revolução Francesa

A Revolução Francesa foi um dos principais acontecimentos da História Universal, sendo considerada o marco inicial da Idade Contemporânea. O conjunto de acontecimentos ocorridos em França, entre Maio de 1789 e Novembro de 1799, alteraram por completo o quadro político e social deste país.

Foi a situação de França no século XVIII, associada aos ideais Iluministas e ao fulgor da independência americana (1776), que despoletou esta dura (mas necessária) rebelião. A França era, na época do Antigo Regime, um país absolutista, o que explica a extrema injustiça social que se fazia sentir. Era ao Terceiro Estado, formado pelos trabalhadores urbanos, camponeses e a pequena burguesia comercial, que cabia o pagamento de impostos, tendo estes, como principal objectivo, a sustentação dos luxos da nobreza. A situação social era tão grave e o nível de insatisfação popular tão grande que o povo nada temeu no momento de arrancar a monarquia dos braços do rei Luís XVI, bradando o lema da revolução: “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. O primeiro alvo dos revolucionários foi a Bastilha, tomada a 14 de Julho de 1789. A queda desta prisão política, símbolo da monarquia francesa, marca assim o início do processo revolucionário.

Quando falamos na Revolução Francesa e nos ideais que esta defende (particularmente no ideal da igualdade), pensamos que esta nos conduziu somente ao fim da segregação de estratos ou ordens (ou à tentativa de o fazer) … mas ela proporcionou-nos muito mais do que isso. Esta revolução foi o primeiro passo da longa caminhada que visava acabar com o preconceito em relação ao género feminino. Para que possamos perceber, de uma melhor forma, como tal aconteceu, vamos tentar retroceder um pouco, até chegarmos às primeiras reuniões dos filósofos iluministas… No século XVI, a mulher era vista como “uma besta imperfeita, sem fé, lei, temor e constância”, tal como nos diz um provérbio da época.

Não obstante que ela e o homem se complementassem, este último era sempre superior. Embora de forma menos rígida, os filósofos iluministas enveredaram um pouco por este caminho quando se tratou de elaborar a imagem da mulher ideal, como fez Rosseau, por exemplo (!). Para eles, a sensibilidade da mulher ditava o seu lugar na sociedade já que, do ponto de vista destes estudiosos, esta característica dificultava a evolução da sua inteligência. Em poucas palavras, o homem agia com base na razão, enquanto que a mulher, sempre habituada a submeter-se, acabava por ter dificuldade em distinguir o real do abstracto.

Esta ideia foi muito explorada pelos Iluministas, tendo sido o marquês de Condorcet – filósofo, matemático e político – um dos poucos pensadores do seu tempo a defender a igualdade entre géneros. O marquês defendeu os direitos das mulheres, considerando-as “metade da espécie humana”. 

2Deixando de parte a opinião de outrem acerca das mulheres francesas do século XVIII, a verdade é que elas “deixaram de parte” a sua sensibilidade e entraram verdadeiramente no mundo real durante a revolução. Sim, é verdade…a Revolução Francesa não foi apenas uma rebelião de homens.

Sendo vítimas da crise de abastecimento, da inflação e da desordem fiscal, as mulheres francesas das camadas inferiores da sociedade participaram activamente em protestos.

3 Como não tinham direito político e não se podiam insurgir demasiado contra determinados assuntos, acabavam por se juntar em cafés, salões e outros locais em que pudessem debater os assuntos do país. Juntas criaram, por toda a França, mais de sessenta organizações onde eram tratadas questões políticas. Também o exército começou a atrair as mulheres, que se revelaram, a curto prazo, extremamente fervorosas e patrióticas. Inicialmente, tentaram formar uma milícia que lhes permitisse defender a Revolução. Porém, não conseguiram realizar este desejo, o que fez com que, muitas delas (as mais jovens), acabassem por se disfarçar de homens para combater nos exércitos dos revolucionários. É de salientar que as mulheres que se arriscavam desta forma possuíam uma enorme coragem e, geralmente, apoio por parte dos homens da família (irmãos, pais ou maridos), que as acompanhavam.

Outra faceta descoberta na mulher do século XVIII foi a da agressividade. De facto, as mulheres revolucionárias também se insurgiam contra aquelas que se opunham ao fim da monarquia, criando-se acesos conflitos entre as primeiras referidas e as que faziam parte da contra-revolução.

Com todo este espírito de mudança e um maior à-vontade perante determinadas situações, as mulheres francesas começaram a reivindicar os seus direitos. Fixaram-se, sobretudo, no direito ao divórcio, que conseguiram em 1791. O direito à propriedade foi também fortemente debatido, uma vez que as mulheres estavam totalmente dependentes dos maridos, não possuindo nenhum bem que fosse realmente seu.

 

Apesar de todo este avanço em tão pouco tempo, a verdade é que as mulheres só conseguiram o direito à cidadania política em 1944… uma luta realmente árdua que durou quase dois séculos! Se reflectirmos um pouco, chegaremos à conclusão de que a aceitação deste último direito não dista assim tanto dos dias de hoje.

 

Falemos agora de duas mulheres que se destacaram neste longo processo. A primeira a manifestar-se de forma mais notada foi Charlotte Corday, que assassinou Marat – médico, filósofo e chefe político – em 1793. Outra delas foi Olympe de Gouges, que elaborava panfletos políticos e peças teatrais onde eram defendidos os ideais da revolução. Gouges escreveu também a 

 

Declaração dos Direitos da Mulher e Cidadã, em 1791, que funcionou como uma espécie de resposta à Declaração do Homem e do Cidadão, elaborada em 1789.

 

Podemos concluir que a mulher da época da Revolução Francesa foi brava, pois lutou contra dois grandes adversários: os costumes da sociedade do Antigo Regime e as ideias dos filósofos Iluministas. No contexto político e social em que se encontravam, estas mulheres sairiam, muito dificilmente, vitoriosas. No entanto, é de louvar o seu mérito, já que foram elas a lançar a verdadeira semente da planta a que se chamaria igualdade (e que ainda hoje tem muito para crescer…).

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2

 

Marand-Fouquet, 1993

3

 

Quando Luís XVI convocou os Estados Gerais, em 1788, as mulheres fizeram questão de estar presentes para escolher os representantes da Assembleia Nacional Constituinte. Estas não tinham direito político, mas participavam através de aplausos ou comentários de desaprovação. Exerciam uma pressão tão grande sobre os presentes que, em 1793, foram impedidas de assistir às sessões do parlamento!